SUGESTÕES DE FILMES
Os Dois Papas: A Nova Direção da Igreja
A Igreja Católica Romana, uma das instituições mais antigas do mundo, tem enfrentado um dilema à medida que as mudanças na sociedade atual se tornam cada vez mais evidentes: deve adaptar-se a estas novas circunstâncias ou permanecer inalterada no tempo, mantendo-se fiel a princípios que remontam a mais de dois mil anos?
O filme “The Two Popes” (em português “Os Dois Papas”) realizado por Fernando Meirelles (Cidade de Deus) e com argumento de Anthony McCarten (Daskest Hour, Bohemian Rhapsody) retrata este dilema no formato de um debate entre os dois últimos líderes da religião católica: o Papa Bento XVI e o Papa Francisco, interpretados respectivamente por Anthony Hopkins e Jonathan Pryce.
Inspirado em eventos reais, ilustra uma pequena biografia daquele que viria a ser o Papa Francisco, o cardeal Jorge Bergoglio. Relata o seu percurso desde o serviço prestado enquanto chefe de uma província jesuíta na Argentina e o seu envolvimento polémico com o regime militar lá imposto, da sua nomeação a bispo em 1992 e arcebispo em 1998, à perda do papado para Bento XVI em 2005 e para a sua eventual nomeação em 2013.
Além disso, o filme faz uma caracterização muito contrastante de duas figuras centrais do nosso tempo. Assim, o Papa Bento XVI é alemão, um líder rígido e conservador, que aprecia as cerimónias luxuosas do papado e que considera o retorno aos princípios como a melhor opção para uma igreja a lidar com os problemas do século XXI. O Papa Francisco é argentino, adora dançar tango e futebol, gosta de relacionar-se com o povo, é um homem que se sente desconfortável com a ostentação e as suas opiniões do futuro da Igreja são mais liberais, principalmente quando comparadas às de Bento XVI. Assim fica claro que representam lados opostos da Igreja Católica: o lado conservador que quer manter-se um pilar inalterável numa sociedade que cada vez se desconecta mais dessa visão e o lado liberal que está disposto a renovar-se e ajustar a fé às necessidades dos fiéis, afastando o fanatismo e uma fé originada na falta de conhecimento como era até então a norma.
Este filme tem muitos aspetos interessantes e que me chamaram a atenção. Importa destacar que apesar de ser inspirado em factos reais, este filme é uma ficção. A ação principal baseia-se no pedido de resignação da parte do cardeal Bergoglio. Este chega ao Vaticano com esse objetivo e é nesse contexto que ele e o papa Bento XVI interagem. Um dos momentos que mais me tocou foi precisamente a cena antes desta reunião. Bento XVI, preocupado com o horário e etiqueta, esperava por Jorge que, na sua simplicidade, falava com o jardineiro a quem pedia, humildemente, conselhos sobre o cultivo de orégãos.
Além da excelente interpretação dos dois atores principais, o que me permitiu conectar com estas personagens, foi o entendimento ,ao longo do filme, das falhas destes homens, seja em flashbacks (onde o uso do preto e branco deixa claro que a ação se passa num passado de certa forma mais simples e que transporta, talvez, alguma melancolia), seja nos seus diálogos. Estes diálogos, que são o coração do filme, mostram as inseguranças destes pilares da sociedade e da sua inabilidade em lidar com o presente: no caso de Bento XVI, gerir as crescentes polémicas relacionadas com os casos de abuso sexual a menores dentro da igreja e, no caso de Francisco, aceitar a iminência do seu papado.